Regenerar e resgatar a nossa humanidade são a melhor fórmula contra as alterações climáticas, não (apenas) a tecnologia.
A sustentabilidade está na moda
Se há uns anos a sustentabilidade - sobretudo nas suas dimensões do aquecimento global e alterações climáticas - eram, como diria Al Gore, uma verdade inconveniente, hoje já não é bem assim.
Pelo menos a parte da verdade - continuam a ser temas muito inconvenientes.
Fora uma percentagem mínima de negacionistas à boleia de lobbies e do status quo, o consenso sobre a urgência das matérias climáticas é praticamente total.
Naturalmente, como sempre, há países/empresas/organizações pioneiras a trilhar o futuro de que precisamos e outros mais lentos a transformar(em-se) e outros que nem reagem.
Mais do que criticar os últimos, é preciso pô-los do nosso lado porque de nada adianta que alguns países ou continentes se tornem neutros (um statement que só por si faz correr muita tinta) em carbono - é preciso consenso (e colaboração) internacional sem precendentes para evitar o colapso da Biosfera ao longo das próximas décadas.
As alterações climáticas já chegaram
Nas últimas semanas temos visto que as alterações climáticas não são um problema de amanhã - já chegaram.
Houve temperaturas máximas a serem batidas por todo o mundo - desde os Estados Unidos e Canadá à região do Ártico, Finlândia, Turquia, entre outros - a que se seguiram (e seguem) incêndios devastadores.
Mexilhões que foram cozidos vivos com o calor, plásticos de automóveis e de cabos elétricos a derreter, cheias catastróficas espalhadas pela Europa, a seca cada vez mais evidente em países como Portugal…
Infelizmente, à medida que chegamos cada vez mais perto de ultrapassar os limites de auto-regulação da Biosfera, as previsões não são animadoras, antes pelo contrário.
Inclusive aquilo que julgávamos ser uma ajuda, pode tornar-se num grave contratempo - como é o caso recente da floresta da Amazónia que passou a emitir mais gases de efeito de estufa do que aqueles que absorve e acumula.
As soluções para os problemas ambientai
O que também é consensual é que estas mudanças têm mão humana e que têm de ser encontradas soluções.
O que é menos consensual são quais as soluções devem ser adotadas, como torná-las viáveis ou como qual a linha ténue entre como melhorar o PIB e as consequências ambientais e sociais do crescimento económico (quantitativo).
É sobre estas soluções, algumas anunciadas como sendo milagrosas ou perfeitas sem o serem (naquele que é um greenwashing que subtilmente encoraja à apatia) que nos vamos debruçar.
A solução mais importante não é perfeita
Umas das soluções mais na ordem do dia é a energia solar, i.e., largarmos as energias que resultam da queima de combustíveis fósseis como o carvão ou o gás natural e produzirmos antes energias através de painéis solares.
É uma ótima ideia: desde logo se olharmos para a Natureza vemos que a única forma de energia utilizada provém do sol.
É também uma ótima ideia considerando que o preço dos painéis solares caíram abruptamente nos últimos anos, tornando muito mais barata a sua adoção generalizada.
Infelizmente, a energia solar torna-se menos apetecível quando pensamos que o sol nem sempre brilha, sobretudo em países mais nublados.
A eficiência média de um painel solar rondar apenas os 25%-30% e a necessidade de ocupação de uma área extensão que precisa de ser preparada (por vezes implicando desflorestação e perda de biodiversidade) são outros dos contras da energia solar.
E não esquecer o difícil que é conservar esta energia para ser posteriormente utilizada - requer o uso de baterias de lítio muito difíceis de reciclar e que, tal como os painéis solares, são constituídas por vários minerais raros.
Lembrar também que estes minerais implicam a atividade mineira - mais desflorestação, alteração de paisagens, toneladas de água (que fica contaminada) para limpeza e filtração dos minérios, máquinas, escavadoras e combustível para as operar…
A título de curiosidade pode ser interessante explorares alguns dos impactos associados à produção de um iPhone.
Apesar de serem fundamentais para a descarbonização, a energia solar e a eletrificação não são perfeitas e têm variadíssimas implicações. Tal como outras soluções têm outros problemas associados - o que torna essencial olharmos para elas de uma forma mais crítica.
Quando as soluções ambientais não são verdadeiras soluções
Ao nível energético é comum ouvirmos falar de biomassa como os pellets. Novamente, estes têm também os seus impactos - houve inclusive uma petição recente com +500 cientistas a pedir à UE para não considerar esta energia como renovável ou neutra em carbono pelos seus impactos ao nível da gestão florestal.
A economia de hidrogénio é também apresentada como a próxima grande solução: mas para ser “verde” é preciso eletrificar a água para separar as moléculas de hidrogénio e de oxigénio.
Se não usarmos a energia solar (que como vimos não é tão verde como parece) para o processo (que tem ainda uma eficiência muito reduzida), a economia de hidrogénio pode também ser facilmente alvo de críticas.
Sobre a energia eólica, tal como o sol não brilha sempre, o vento também não sopra sempre e as pás eólicas, bem como o terreno onde são colocadas, têm também as suas consequências negativas no ambiente.
A utilização de algas, de resíduos, ou a produção biocombustíveis são outras soluções também com os seus prós e contras.
A aviação, a marinha mercante, a produção de materiais altamente poluentes como o cimento ou o aço são outros “desafios” sem soluções viáveis à vista.
Felizmente, há uma solução comum.
E se a sustentabilidade implicar mudança?
A fatia de energias renováveis - que, como já vimos, ainda que não sejam perfeitas são melhores do que as fósseis - tem vindo a aumentar à escala global. Curiosamente, a poluição que resulta do setor da energia tem aumentado.
A causa?
O consumo energético está a aumentar a um ritmo superior comparado com o ritmo a que descarbonizamos a energia.
Daí a importância de evitar a geração de energia em primeira mão - a maior redução no impacto energético virá da redução da energia que precisamos e de usarmos a que temos à nossa disposição de forma eficiente.
Esta dicotomia entre a direção certa e um impacto que não é o desejado só tem uma solução: deixarmos de acreditar em soluções tecnológicas (atuais ou por descobrir) que vão resolver os problemas ambientais sem que tenhamos de alterar nada na forma como vivemos.
Por mais importantes que sejam (e são!) as soluções tecnológicas presentes e futuras temos de começar a pensar que temos de mudar o nosso estilo de vida.
Os impactos laterais de soluções ambientais positivas
Muitas vezes confiamos e apostamos em soluções simples - ao invés de olharmos de forma integrada para temas como a energia, a mobilidade, a habitação, alimentação ou estilo de vida - para resolver problemas complexos.
Estas soluções parecem resolver problemas no curto-prazo mas têm impactos colaterais indesejáveis a médio-longo prazo.
Daí que a solução para a mobilidade não seja só (ou maioritariamente) os carros eléctricos mas sim uma mobilidade pública eficiente e individual partilhada e um olhar integrado à forma (e ao porquê) das pessoas se movimentarem numa determinada região.
Daí que o veganismo não seja (sempre a melhor) a solução no setor da alimentação mas sim uma dieta local (com mais vegetais na sua base), com produtos (e espécies) cultivados da forma mais indicada para potencial e criar resiliência numa determinada bioregião - dependendo das suas características específicas.
E utilizando as lentes de sustentabilidade social e económicas, porque não referir também uma alimentação onde os lucros dos produtos vendidos permaneçam por perto e sejam justamente distribuídos ao invés de serem escoados por um funil para um paraíso fiscal?
Daí que a solução ideal para eletrodomésticos como máquinas de lavar, fornos ou cortadores de relva não seja todos termos um (por mais eficiente que seja) por cada casa mas sim que sejam partilhados e o seu tempo de utilização otimizado.
Todas as soluções que sejam encontradas têm os seus impactos e só serão verdadeiramente viáveis quando aceitarmos que o estilo de vida que temos hoje 1) não é compatível com um planeta saudável e 2) não está a gerar satisfação global.
O nosso estilo de vida estragou o planeta - vamos revê-lo?
O que estragou o planeta foi o nosso estilo de vida: nomeadamente o progresso económico acoplado à extração, uso e descarte de materiais e à queima de combustíveis fósseis para alimentar a nossa sociedade de consumo de produtos e serviços.
Não precisamos de nos martirizar - mas é importante entendermos e assumirmos o nosso impacto e responsabilidade para fazermos diferente daqui para a frente.
No entanto, é raro pensarmos em soluções ambientais com esta narrativa em mente, apoiando-nos na história para a rescrevermos de maneira diferente.
Ao invés, pensamos que soluções futuristas e tecnológicas vão salvar o planeta sem termos de mudar a forma como vivemos - que causou/causa todos estes problemas em primeira mão.
O movimento do desenvolvimento regenerativo aceita que já degradámos tanto o planeta que mesmo que deixássemos de fazer qualquer mal ao ambiente e que o nosso impacto passasse a ser “0” isso não seria o suficiente para a recuperação que é necessária.
Precisamos de restaurar a natureza, ou seja, ajudá-la a recuperar a sua capacidade de se auto-regular e de perpetuar a sua dinâmica evolucionária que continuamente gera mais condições propícia à Vida.
Mais do que isso, a regeneração inclui revisitarmos a forma como olhamos para o Homem: menos como uma parte dominante, controladora e hiper eficiente e mais como um elemento integrante que vive em harmonia com a natureza.
Implica percebermos que a diversidade e colaboração aumentam a resiliência sistémica e que a Natureza já criou (ao longo dos seus 3,6 biliões de anos de vida) e tem as soluções e padrões que melhor funcionam (biomimetismo).
Adotar este olhar regenerativo implica, por um lado, voltarmos a explorar mais o nosso lado humano e as nossas origens (biocentrismo) ao invés de imaginarmos que um futuro de sucesso está exclusivamente relacionado com o controlo total e eficiência (a qualquer curso) de recursos (visão antropocêntrica).
Precisamos de analisar a sociedade de hoje - agarrada aos ecrãs, a trabalhar horas sem fim por um salário para sobre(viver), com muitas pessoas viciadas ou em depressão, isoladas, sem praticar exercício, etc - e perceber que construir o futuro com base no presente de hoje não é uma boa ideia.
Escrevi há uns tempos um artigo para a youmatter precisamente a explorar porquê é que não devemos querer voltar ao normal.
Ao invés disto, revermos o presente - que deve ser mais colaborativo e procurar explorar as causas dos problemas (traumas, crenças limitadoras e ego) da vida de cada um de nós e de todos nós - vai unir-nos e ajudar a resgatar a nossa humanidade comum.
Depois disso talvez sejamos mais capazes de partilhar (histórias, sentimentos e electrodomésticos) e de, aceitando e integrando as nossas diferentes formas de ver o mundo, consigamos imaginar e criar um melhor, em conjunto.
A regeneração e a humanidade enquanto solução para os problemas ambientais
Os problemas ambientais só serão resolvidos com a reestruturação social e económica a que estão intimamente ligados.
Qualquer solução exclusivamente ambiental que não englobe um olhar integrado e sistémico sobre a forma como a sociedade está estruturada peca por reducionista.
Como Bill Sharpe, autor do diagrama dos 3 horizontes de transformação diria, precisamos de inovações (H2+) que levem à criação de novos paradigmas (H3) e não de inovações (H2-) que mantenham o status quo dominante (H1).
E como diria Bregman, temos de olharmos mais uns para os outros como bem intencionados, “decentes” e colaborativos.
Na mesma linha de pensamento, Daniel C. Wahl diz-nos que:
Precisamos de falar mais sobre a narrativa do interser que informa e promove a empatia à escala global à medida que nos torna mais conscientes da nossa interdependência como seres relacionais com a prosperidade da vida na Terra e com a evolução da consciência dentro de um universo em constante transformação.”
Daniel Wahl em Design de Culturas Regenerativas
Só assim os líderes mundiais vão chegar a consensos colaborativos sobre soluções globais (idealmente com planos acionáveis à escala bioregional).
Só assim vamos conseguir viver mais em comunidade e resgatar a satisfação que vem de uma conversa profunda e verdadeira e que qualquer materialismo é incapaz de igualar.
Só assim vamos ser capazes de aceitar que temos de voltar a valorizar a escala regional, a economia local e a satisfação que a colaboração traz e de aceitar que provavelmente o nosso estilo de vida vai ter de mudar - para menos e para melhor.
[Créditos de imagem:Arno Smit, Ricardo Gomez Angel e Matthew Henry no Unsplash.]